A música

A música não me deixa só. Nem me deixa. A música participa. Envolve-me. Abraça-me forte ou de leve. Sufoca a solidão. Acompanha meus estados de espírito. Atenua minhas dores. Vai agravá-las. Vou me agravar.

Escolho pelo hábito. Mas o tape geralmente chama. Tenta me impressionar. É preciso que me toque fundo ao tocar. Essas batidas parecem vir de dentro. Precisam me abalar das coronárias aos tendões do pé. Dar a impressão de que foram feitas por mim, ou simplesmente, para mim. Assim nos momentos em que estamos a sós, a música e eu.

Ela também precisa entender: nunca sou inteiramente dela, meus pensamentos querem bailar, surgem retratos que ganham corpo e pés em cada novo compasso e, de repente, estamos a dançar! Todos a bailar. Amores antigos, passageiros, momentos que passaram ou quase momentos que tomaram um rumo inesperado, abrindo as portas da fábrica de imagens em ação. A imaginação! Tamanha que já quase sonho. Minha vida é um baile de nuvens! E máscaras! - Por que me enganei se a sua máscara foi sempre a mesma?

O momento! O momento! Volte para o devido lugar! No seu devido lugar no tempo. É com a música que devo ficar.

Então ela reclama atenção com uma nota mais estridente. Si! Nos nervos! Foi-se. Abalou demais. A música só é boa enquanto não suplica. Como me parece ser o amor.

Lamento. Nosso momento chegou ao fim antes da última nota.

2 comentários:

Dani disse...

Quem, senão você, poderia alcançar com tanta propriedade a grandeza da música e das sensações que sentimos ao ouvi-la?

Parece que seu texto, assim como as música pra você, foi escrito pra mim!

É aquele tipod e textoem que você se identifica com cada sensação que o autor colocou lá, mas que você jamais conseguiria descrever.

Muito lindo, Budinha!

Noubar Sarkissian Junior disse...

Hum, música!

Deu vontade de ouvir algo...

Eu esqueci (ou não vi como) de lhe dizer isso ontem: gostei mesmo de Ceumar. E "lá", como eu disse antes, foi a que mais me fisgou!

Pensei em pelo menos duas outras músicas que dialogam com ela, e, apesar de vc possivelmente conhecê-las, não quero correr o risco de privá-la...

O "lá" me remeteu na hora pro "vilarejo" da Marisa Monte! http://letras.terra.com.br/marisa-monte/441705/

E, como contraposição dessa imaginação do lugar ideal, tem a do Chico: "Subúrbio", que ironiza e explora o lugar "real", e tem o "lá" como eixo...
http://letras.terra.com.br/chico-buarque/537331/

Se ainda não ouviu algumas delas, baixe já!

(acabei centrando o comentário em coisas alheias. Bom, nem tão alheias assim!)