Uma ducha pela manhã me fez sentir novamente a cachoeira sobre meus ombros e o frio das águas que faz o coração aquecer mais e cada vez mais, dá calor e forças. Ali, vislumbro Oxum e sou metade rio. Sinto a plenitude e a paz da existência deitada a flutuar pelas águas com os ouvidos submersos, a silenciar qualquer dúvida ou inquietação da alma, um olhar ao céu revelado parcialmente por entre as folhas e galhos arbóreos de Mata Atlântica. Uma manta verde nos protege do habitual. Ouço "Guaranteed" ...
Estamos em Paranapiacaba, em tupi-guarani, "lugar de onde se avista o mar".
Chegamos ao destino pouco acreditando. Havíamos caminhado horas pela trilha e já retornávamos levemente frustrados (ou não) para a cidade quando um grupo de jovens nos indica o caminho certo. Graças! É tão mágico e tão real... acredito que, às vezes, quando achamos que a sorte está contra nós, o Universo nos vem e diz não ser assim tão desnaturado... há uma proteção velada, mas real, dentro e fora de nós mesmos. E a certeza disso me provém de coragem, que é uma espécie de esperança, mistura de fé na vida que pulsa em cada veia e vento e de alguma auto-confiança.
Já é quase noite, mas é possível chegar, nos despir dos pesos maiores e viver momentos de sereia, lampréias, botos, golfinhos... a água doce nos livra dos excessos. É como se tudo de que eu não necessitasse naquele momento fosse embora com a correnteza. Me tirasse o açúcar demasiado do sangue. E comigo ficassem somente o corpo, os sentidos de sensação, alguns sentidos cognitivos fortemente incorporados, e algumas roupas (vestígio de algo não tão meu). O resto corre de mim, que já me encontro forte o suficiente para afugentá-los com um só olhar de dentro. Vai, ...; outros contemplam.
Um deles reflete sobre a transitoriedade daquilo tudo, sobre como essas águas passam de qualquer maneira, de como a vida também vai para sabe-se lá onde, enquanto outros pensam em eternizar sensações, que, sem querer, já me parece sair um tanto do aqui agora. Mas sei que voamos no tempo e quero compartilhar minha satisfação em sentir você nessa lembrança. Sei que diante daquilo tudo, as palavras não fazem nenhum sentido: "Diante de tudo isso, as palavras ainda fazem algum sentido?". De todo modo, porém, sinto que as palavras podem carregar um pouco do coração inebriado. A Natureza que nos provê de beleza infinita! Correm até onde você está/ vocês estão. Parte do meu coração flutua... até chegar onde ninguém enxerga mais.
A volta é pura neblina.
A névoa noiva que vem procurar o amado todo fim de tarde adentra a cidade toda.
Lendas dão um tom de eterno.
Deixo que elas falem por mim:
(Lenda: quem ouviu, pode contar, com toda sua criatividade.)
Nessa vila, há muitos e muitos anos, havia um reino muito abastado e tradicional. No mais alto castelo, vivia um príncipe de longas madeixas que deveria se casar com uma nobre jovem que ali morava. Porém, num dos passeios da tarde pela Vila, o príncipe encontra uma belíssima camponesa por quem se apaixona imediatamente e lhe jura amor eterno. A camponesa, que nada além da paixão passa a respirar após aquele dia, sabe, porém, que o rei, muito violento, desaprova seu romance com toda força. Os amantes passam a se encontrar, escondidos, todos os dias. A paixão se torna um amor cada vez vivo e eles decidem se casar. No dia do casamento, todavia, quando a noiva já esperava o amado numa capela humilde e reservada, o noivo é surpreendido pelo rei, que, furioso, joga-o num calabouço do castelo e joga as chaves bem longe dali. A noiva, após esperá-lo por horas e horas, sentindo que seu amado havia desistido do seu amor e abandonado para sempre seus planos de união, não resiste à tamanha dor, dispara desesperadamente pelas ruas, de véu e grinalda, vestido ao vento, jogando-se no desfiladeiro mais profundo de Paranapiacaba. Dizem que, após a tragédia, a noiva (névoa) percorre a Vila todos os finais de tarde à procura do amado. Do princípe, nada se sabe. Sei apenas que não houve um só dia em que eu tivesse ido à Paranapiacaba e que a névoa não tenha envolvido todos os cantos da Vila de um jeito muito misterioso...
Ou que falem as fotos:
Guaranteed
On bended knee is no way to be free
Lifting up an empty cup, I ask silently
All my destinations will accept the one that's me
So I can breathe...
Circles they grow and they swallow people whole
Half their lives they say goodnight to wives they'll never know
A mind full of questions, and a teacher in my soul
And so it goes...
Don't come closer or I'll have to go
Holding me like gravity are places that pull
If ever there was someone to keep me at home
It would be you...
Everyone I come across, in cages they bought
They think of me and my wandering, but I'm never what they thought
I've got my indignation, but I'm pure in all my thoughts
I'm alive...
Wind in my hair, I feel part of everywhere
Underneath my being is a road that disappeared
Late at night I hear the trees, they're singing with the dead
Overhead...
Leave it to me as I find a way to be
Consider me a satellite, forever orbiting
I knew all the rules, but the rules did not know me
Guaranteed.
(Passeio com amigos no dia 09 de julho de 2010. Feriado em São Paulo: Revolução Constitucionalista de 1932.)
6 comentários:
Essas (suas) palavras eram bem aguardadadas/pedidas por mim!
Feito a "manta verde (que) nos protege do habitual", elas me protegem do que eu não saberia dizer sozinho.
Obrigado! (obrigado!)
"E toda vez que vier
felicidade a mais..."
(eu não me importo!)
Obrigada a você, Noubar! Pois você sabe que faz isso não só por palavras como por gestos e notas musicais combinados de um jeito muito seu.
Beijos,
Camila.
Sempre que eu entro numa cachoeira penso em oxum tb, mesmo que nao saiba exatamente o que ela significa pra quem realmente acredita. Mas entendo perfeitamente pq um ser humano percebeu a existência divina ao mergulhar numa cachoeira.
Poxa, quando a gente tava perdido eu ficava imaginando o que vc estava sentindo, acho que vc tava meio apreensiva pq chamou o pessoal pra ir lá e parecia que as coisas estavam saindo do controle, até que apareceram as pessoas mágicas que nos indicaram o verdadeiro caminho por meio de muitos gritos e euforia! E sinto uma satisfação total em saber que em meio a todos estes sentimentos tão intensos eu tb tive um lugarzinho na sua memória. Vc tb teve na minha, lembro perfeitamente nossas conversas e todos os sentimentos misteriosos que ocorrem por trâs do portal mágico da manta verde da floresta. Diante disto tudo as palavras ganharam muito sentido, afinal podemos transmitir tantas coisas legais que vivemos! E sua sensibilidade é fantástica mesmo. Eu sou meio quieto mas não é tanto sensibilidade, nao conseguiria dar tantas cores, sons e sabores para estas memórias. ainda bem que vc consegue e eu posso ler aqui XD até a próxima!
Ah, o Maurílio não existe! :)
Ufa! Quem disse que teletransporte no tempo e espaço não existe?
Rs... ficou grande, né, Rodolfo?
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