Aquele chaveiro podia não significar mais do que gratidão, mas era para mim a manifestação de um ser supremo, utilizador do acaso para sinalizar qual caminho prosseguir.
Era uma esfera, aparentemente usada. Alguns riscos tiravam o poder de reflexão do material. Mas seus desenhos estavam intactos, estrelas de contorno saliente e uma lua torta de olhos abertos. Devia ter algum significado astrológico, o que, sinceramente, pouco me interessava. Aquilo era um sinal. E nada mais. E todo ele.
De dentro dela, um som distante, suave e harmonioso enchia o ambiente de puro conforto auditivo. Qualquer buzina calaria seus resmungos para escutar aquelas notas.
Se do objeto tem-se tanto a dizer, surpreenderia talvez quão pouco detalhe pude guardar daquele momento.
Lembro do tempo instável que cobria aquele dia de verão: a jaqueta "jeans" já não sabia se ficava na bolsa de uma vez por todas ou se protegia meu corpo de mulher vestida de preto ao findar a tarde.
E que se comemorava naquele mesmo dia a passagem de ano no calendário chinês, razão da festa que me havia levado até lá.
Pelas ruas, lamparinas ornamentadas; dragões amarelos, vermelhos, azuis, pretos, a subir e descer; chineses, japoneses e coreanos por todo canto; cheiro de "yakissoba" saindo da chapa... - pensando bem, não eram tão poucos os detalhes! - O bairro da Liberdade estava irresistível.
Havia comprado um chapéu da celebração por um real apenas e andava com ele amarrado sob o queixo fosse dentro das lojas ou no meio da rua. Até o momento em que entrei numa daquelas galerias.
E, naquela galeria, o mundo nunca esteve tão claro.
Numa dessas lojas minúsculas, dessas que possuem um balcão com umas poucas variedades e um dono preocupado em ganhar o pão do dia, resolvi fazer uma pequena parada e olhar os objetos à mostra. Nada me chamara a atenção e quando já me preparava para seguir o corredor estreito, a vendedora me parou para perguntar onde eu havia conseguido aquele chapéu.
- Olha, seguindo até a ponte, perto daqui...
- Ah sim... lá embaixo... é um pouco longe pra mim... - a senhora já devia ter passado dos cinquenta e os seus olhos brilhavam como de uma criança em frente à vitrine daqueles brinquedos caros demais para o bolso do papai.
- Toma, pegue este aqui. - entregava o chapéu e ela abria um sorriso tímido, mas tão verdadeiro como o que a timidez nos faz esconder por baixo da discrição.
De volta ao corredor, conversando com uma amiga minha que me acompanhara no passeio daquele sábado, refletíamos sobre o ocorrido.
- Ah Camila, devia ter negociado o chapéu com uma daquelas bugigangas né? - aos risos, alegava que eu não havia sido uma boa negociadora. Afinal, vivemos num mundo capitalista, onde tudo, seja um carro ou um mero chapéu de papelão como esse, deve passar de um proprietário privado para o outro através de uma troca monetária, o que não havia ocorrido, obviamente.
Mais adiante, encontrei uma chinesa, que tinha um vocabulário restrito a "olá", "eu corta", "obrigada" e um "tchau" meio "xaô", mas que revelava tamanho carisma a ponto de me fazer levar um item da loja sem maiores incômodos.
Quando voltava por aquele mesmo corredor, ouvi um assovio. Prossegui. Não era incomum escutar um som assim, dirigir-se à pessoa e essa te devolver o olhar com aquele ar intimador, quase fuzilante. O sujeito insistia, e já não pude ignorá-lo mais. Era a vendedora acatada, com o chapéu chinês na cabeça e uma caixinha vermelha nas mãos.
- Abre só quando estiver lá fora, está bem?
Ganhei o dia. O chaveiro era... como a flor do asfalto.
Numa dessas lojas minúsculas, dessas que possuem um balcão com umas poucas variedades e um dono preocupado em ganhar o pão do dia, resolvi fazer uma pequena parada e olhar os objetos à mostra. Nada me chamara a atenção e quando já me preparava para seguir o corredor estreito, a vendedora me parou para perguntar onde eu havia conseguido aquele chapéu.
- Olha, seguindo até a ponte, perto daqui...
- Ah sim... lá embaixo... é um pouco longe pra mim... - a senhora já devia ter passado dos cinquenta e os seus olhos brilhavam como de uma criança em frente à vitrine daqueles brinquedos caros demais para o bolso do papai.
- Toma, pegue este aqui. - entregava o chapéu e ela abria um sorriso tímido, mas tão verdadeiro como o que a timidez nos faz esconder por baixo da discrição.
De volta ao corredor, conversando com uma amiga minha que me acompanhara no passeio daquele sábado, refletíamos sobre o ocorrido.
- Ah Camila, devia ter negociado o chapéu com uma daquelas bugigangas né? - aos risos, alegava que eu não havia sido uma boa negociadora. Afinal, vivemos num mundo capitalista, onde tudo, seja um carro ou um mero chapéu de papelão como esse, deve passar de um proprietário privado para o outro através de uma troca monetária, o que não havia ocorrido, obviamente.
Mais adiante, encontrei uma chinesa, que tinha um vocabulário restrito a "olá", "eu corta", "obrigada" e um "tchau" meio "xaô", mas que revelava tamanho carisma a ponto de me fazer levar um item da loja sem maiores incômodos.
Quando voltava por aquele mesmo corredor, ouvi um assovio. Prossegui. Não era incomum escutar um som assim, dirigir-se à pessoa e essa te devolver o olhar com aquele ar intimador, quase fuzilante. O sujeito insistia, e já não pude ignorá-lo mais. Era a vendedora acatada, com o chapéu chinês na cabeça e uma caixinha vermelha nas mãos.
- Abre só quando estiver lá fora, está bem?
Ganhei o dia. O chaveiro era... como a flor do asfalto.
(sobre o dia de ontem)
3 comentários:
deve ter sido bem bacana seu dia!!
um dia ainda vou nessas festas!
Parece um capítulo de romance muito bem feito e enredado.
Às vezes tiramos o poder que um simples objeto pode ter. E estes simples objetos que realmente nos marcam!
Gostei da sua prosa.
=*
Li o texto abaixo.
Me apaixonei por você. Seu modo de falar me encantou.
De um simples reencontro fez-se uma história muito bem proseada.
Beijo.
(quem lê isso acha que tenho fibra em falar, e não passo de um escritorzinho amador, novo ainda por cima)
Visite meu blog, dê-me a honra de receber minha paixonite de hoje.
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